Popularizar o acesso à saúde mental tem que ser prioridade

André Luís Alves
4 min readMay 30, 2023

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Apesar de termos um dos melhores serviços de saúde básica do mundo, o Sistema Único de Saúde (SUS), não está ao alcance de milhões de brasileiros, de acordo com um estudo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), divulgado no final de 2022. Quando falamos em saúde mental, o abismo é muito maior.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), pessoas com graves condições de saúde mental vivem de 10 a 20 anos menos que a média da população. Além disso, os transtornos mentais são a principal causa de incapacitação de indivíduos para o mercado de trabalho.

Quando se junta esses dois dados temos uma conclusão nada positiva: são os pobres que mais sofrem com distúrbios tratáveis por falta de acesso a profissionais de saúde especializado, medicamentos e terapias. Piora a situação o estigma da saúde mental ser vista como “mimimi” ou como “doença de rico”. Ou seja, temos um amontoado de pólvora esperando uma simples fagulha para explodir.

O preconceito

Ainda que atualmente falemos mais abertamente sobre saúde mental do que há uma década, não é nada fácil alguém reconhecer — ou ser estimulado pela sua família — e procurar ajuda médica. Sim, há profissionais no SUS, há nos planos de saúde, há aplicativos com profissionais mais em conta. Quem tem sorte, ou tempo, consegue acesso. Quem precisar com uma urgência, se estiver no meio de uma crise ou em um surto vai encontrar a primeira resistência. Dificuldade para conseguir disponibilidade, burocracia dos planos de saúde ou o investimento de mais de 1/3 de um salário-mínimo para uma consulta com o psiquiatra.

É mais fácil para uma mãe ou para um pai tentar justificar que só precisa descansar um pouco ou ir mais a igreja, a gastar um dinheiro que vai fazer falta para material escolar ou alimentação dos filhos. Ou mesmo para pagar o transporte público para ir e voltar ao trabalho.

O preconceito termina sendo uma espécie de escudo de quem desenvolveu algum transtorno, mas não se pode “dar ao luxo” de ir a um especialista.

A ponta do iceberg

Até porque, qualquer um que já tenha tido contato com alguém que está “medicado” ou com a “terapia em dia” sabe que isso não acontece da noite para o dia. Há idas e vindas a médicos, psicólogos, uso de substâncias — muitas vezes caras — e que podem trazer reações adversas como aumento de peso, falta de libido e disfunção erétil.

E mais, a melhora só será significativa se vier acompanhada de mudanças de alguns estilos de vida, incluindo uma rotina de sono de qualidade, exercícios físicos e alimentação saudável.

Para uma parte da população brasileira é possível apertar uma parte aqui, mudar uma atividade ali e pronto. A parte mais difícil é a interna, é perceber o que precisa mudar e querer mudar, contando com uma mínima rede de apoio.

Já para a maioria da população, que é o público deste texto, a conta não fecha. Nem de um lado nem do outro. Se do lado financeiro já é difícil, imagine conseguir tempo para atividades físicas, mesmo ao ar livre, depois dez horas num trabalho, mais três horas no trânsito, mais o trabalho da casa e ainda dormir tranquilamente 8 horas, sem muitas preocupações.

A pobreza é o próprio gatilho

Não é nenhuma novidade para a psicologia que a maioria dos transtornos são desenvolvidos na infância. Uma infância com níveis de pobreza que não dê segurança alimentar, em lugares violentos e com pais que quase nunca estão em casa porque estão em exaustivas jornadas de trabalho não é o modelo perfeito para o desenvolvimento de saúde mental. Se qualquer uma dessa situação é extrapolada, a chance de um transtorno aumenta significativamente.

O que resta, novamente, é tratar saúde mental como mimimi. “Segura esse choro”, “somos pobres, não temos tempo para ficar deprimidos” e outras expressões reforçam o estigma e são desculpas que os abastados ensinam aos pobres a repetir porque não haveria luz no fim do túnel.

Luz há, o que falta e vontade empresarial e política

O que falta é acesso. Acesso a profissionais, acesso às terapias, medicamentos mais baratos e combate aos estigmas. É bonito as empresas se empenharem no Setembro Amarelo, mas os suicídios acontecem todos os dias. E mais, crises de ansiedade, depressão e outros transtornos podem acarretar outros tipos de problemas e afetam muito mais gente do que se imagina. Estresse, abuso de álcool, dor, diabetes, doenças cardiovasculares são algumas das comorbidades mais comuns que mascaram o verdadeiro problema e que, se tratados isoladamente, não dá o resultado desejado a longo prazo.

Ainda de acordo com a OMS, estima-se que 1 em cada dez pessoas nascidas no Brasil sofre de ansiedade patológica, a depressão atinge quase 6%, os bipolares chegam a 4% e os que possuem transtornos alimentares se aproximam a 5%. E só citei algumas doenças e transtornos.

Cuidar da saúde mental, além de melhorar significativamente a qualidade de vida dos que precisam, evita outros gastos com gastos com saúde, acidentes e afastamento do trabalho.

Enquanto não for universalizado o acesso a terapias, medicamentos e profissionais de saúde os pacientes terão tratadas, em grande parte das vezes, apenas a decorrência de uma doença e não a causa em si. Pode até ser bom para os laboratórios, farmácias e hospitais. Mas nunca será o suficiente para quem sofre e para quem está perto.

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André Luís Alves

Escritor, pesquisador e um eterno curioso sobre a mente humana