Apitos de cachorro: sinais do narcisista que só as vítimas reconhecem

André Luís Alves
5 min readJan 2, 2024

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Com tantos especialistas falando sobre o Transtorno de Personalidade Narcisista, as principais características dessas pessoas já são praticamente do domínio público: falta de empatia, amizades superficiais, ama ser o centro das atenções, comportamento infantil quando contrariado, traições, mentiras e manipulação.

No entanto, há detalhes que só quem vive ou viveu com um narcisista entende. Seja essa pessoa seu pai, sua mãe, irmão, marido, esposa, namorado, namorada ou chefe de trabalho. São os chamados apitos de cachorro.

Sabe aqueles apitos que emitem sons ultrassônicos que só os cães escutam e os humanos não? Essa é uma tática muito usada para o narcisista agredir a vítima. Ela acontece fazendo comentários depreciativos sutis, sugerindo expor vulnerabilidades para terceiros, provocar ciúmes intencionalmente e tratamentos de gelo.

É tudo feito com muito cuidado. Por exemplo, numa roda de amigos elogia a parceira, mas chega no ouvido e revela um comentário agressivo. Ninguém viu, ninguém ouviu. A proposta é desestabilizar a vítima, ao mesmo tempo que reforça uma imagem positiva para os outros.

Numa reação da vítima, parece que ela é instável emocionalmente.

Reforço intermitente

O termo se refere a uma forma de modificar comportamento de pessoas ou animais (adestramento) por meio de recompensas ou punições. Ou promessas de recompensas, o famoso future faking, quando diz planejar uma viagem, fazer um programação romântica, comprar um presente especial… e nada disso vem! O narcisista age assim, geralmente na fase da desvalorização.

Após desprezar, ignorar, ser fria com a vítima por dias ou semanas, o narcisista vem com um mini love bombing, ou com um sexo maravilho. A vítima, que já estava pensando em sair da relação recebe uma “recompensa” e continua na relação. Com o tempo, isso pode gerar algo que se assemelha a um vício. A pessoa é agredida o tempo todo, mas ela sabe que uma hora ou outra, a recompensa vem.

Na prática, não é bem assim. As recompensas vão espaçando cada vez mais e durando menos tempo. Isso porque o narcisista está procurando outras fontes de suprimentos, e quando achar outra vítima, fará o descarte. Ainda que isso não signifique o fim do relacionamento.

Estátuas na estante

“Narcisista não tem ex, tem uma coleção de vítimas”. O relacionamento — enfim — terminou, mas a pessoa insiste em ser amigo? Isso por si só seria apenas um sinal de maturidade, mas isso não funciona para o narcisista.

Ele precisa manter os ex, as ex próximos, mantendo um cotidiano parecido com que tinha quando namoravam. Isso porque as pessoas que tiveram um relacionamento ficam como estátuas na estante para poderem acessadas quando necessário.

Seja para fazer ciúmes para a pessoa atual, seja para conseguir um favor, seja apenas para testar o quanto de carinho ainda há. E se não há, não se espante se o narcisista voltar a flertar contigo. Pois ele precisa de validação a todo instante. E os antigos relacionamentos funcionam com sal de frutas. Alívio Rápido.

Faça o que eu digo, não o que eu faço

O narcisista quer emoldurar a vítima por dois motivos: tem o ego frágil e tem medo de que a vítima tenha autonomia, porque virou seu pet, seu objeto.

O que parecia cuidado no começo, logo vira emparelhamento. Por exemplo, aquela frase de responsabilidade afetiva, “avise quando chegar em casa”, logo se transforma num monitoramento do seu tempo de deslocamento. Se você demorou mais tempo para chegar em casa saindo do seu trabalho ou de algum rolê, a cobrança virá, por meio de raiva, tratamento de gelo ou chamadas de vídeo inesperadas.

No entanto, isso não funciona com o narcisista. Se você comenta se a pessoa demorou e pergunta se aconteceu alguma coisa, como trânsito, ou precisou passar em algum lugar, a resposta será: “respondi quando deu para responder, para de ser uma pessoa ciumenta”. Ou com um ataque: “você quer me controlar? Eu tenho uma vida, sabia?”.

O narcisista, em um relacionamento, continuará vivendo como se ainda fosse solteiro, mas não admite que o parceiro tenha liberdade, por exemplo, de ir jantar com as amigas, ou bater bola com os amigos.

E para que você não tenha essa liberdade, o narcisista irá sair escondido, assim a vítima não se sente à vontade de sair também. Entenda, é ótimo que as pessoas em um relacionamento tenham sua individualidades mantidas. Mas o narcisista não conta para o outro porque não quer dar margem para que a vítima não se permita sair com os seus.

E, porque, quando a pessoa narcisista sair com seus macacos voadores, vai dizer que saiu escondido porque o namorado, a namorada, é muito ciumenta, controladora e tal. Quando na prática, o controlador é o narcisista.

Estraga datas especiais

Todas as vítimas conhecem muito bem esse pesadelo. Festas de fim de ano, aniversários, Dia dos Pais, das mães etc. tendem a ser um desastre quase completo. Quando a pessoa narcisista sente que não será o centro das atenções, a reação será sempre fria ou explosiva.

Não irá se envolver, fará pouco caso, criticará as pessoas que estão se divertindo e não raro irá provocar uma briga com a vítima. Pois, dessa forma, ela consegue ser o centro das atenções. Simples assim.

Quem já saiu do relacionamento não está ileso. São ótimas ocasiões para fazer o hoovering, ou seja, tentar puxar a pessoa de volta para ser novamente sua fonte de suprimento. Irá mandar mensagem dizendo que está com saudade, o quanto tal data foi importante. Se ela estiver namorando ou casado, contará uma história triste de que está terminando o relacionamento o que eles não vivem como “marido e mulher” há muito tempo.

A magia da manipulação

Quando a vítima percebe, já se afastou dos amigos, dos familiares, só faz as programações que o narcisista quer, com quem quer e pelo tempo que quer. As manipulações são sutis e o que começa como sugestão se transforma sendo a única forma de manter a relação. Se não funciona por bem, a manipulação virá por birras infantis e com argumentação de que ela sempre “deixa” você escolher.

Mas se você propõe em sair com seus amigos, você ouvirá que eles não são tão legais, que não gostam do narcisista ou que já tinha marcado outra programação com os dele. “Mas se você quiser, a gente vai”. Esse balde de água fria é um dos arremates finais feitos para a vítima desistir de alguma iniciativa e fazer somente o que o predador quer.

Como o “apito de cão” só funciona com a vítima, a pessoa narcisista consegue se manter o centro das atenções, ganha a cumplicidade dos macacos voadores (amigos e parentes) e faz às escondidas o que não quer que o parceiro faça.

E não se iludam. Afastar amigos e familiares da vítima tem dois motivos: o primeiro, para não ter que dividir a atenção. O segundo, e mais cruel, para que as pessoas mais próximas não percebam a manipulação e o quanto está adoecendo.

E por adoecer, entendam, isso se reflete de forma física e mental. Crises de ansiedade, aumento ou perda repentina de peso, dificuldades de concentração são sintomas clássicos. Como já não há muitos amigos para desabafar, a vítima se recolhe, e se não procurar um tratamento psicológico (e psiquiátrico), a tendência é continuar piorando até se descartado.

Para se livrar de tudo isso, só há uma saída. Se livrar do que te faz mal: da pessoa narcisista.

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André Luís Alves

Escritor, pesquisador e um eterno curioso sobre a mente humana